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Entrevista do Titular da Cátedra ao Delta Magazine

O Prof. Miguel Araújo é o responsável pela Cátedra Rui Nabeiro em Biodiversidade, financiada pela Delta Cafés. Esta é a primeira iniciativa do género criada no nosso País. Pode-nos explicar em que consiste uma “Cátedra”.

A palavra Cátedra tem vários significados. Desde a cadeira onde sentava o bispo durante os actos litúrgicos, ou a cadeira do professor universitário na Idade Média, passando pela categoria mais elevada que um professor universitário pode aspirar. A cátedra Rui Nabeiro é uma cátedra de investigação. Logo, é uma estrutura de investigação sob responsabilidade de um investigador de reconhecido mérito que é titular da Cátedra. Esta é a primeira Cátedra de investigação criada em Portugal, com fundos privados. Este tipo de cátedras é comum nos países anglo-saxónicos, designadamente nos Estados Unidos da América, Reino Unido e Austrália, onde é frequente os mecenas criarem cátedras nas universidades através do financiamento anual de um programa de investigação ou através da criação de um fundo de capital (o “endowment”), cuja gestão permite perpetuar a cátedra. A ideia de associada à perpetuação das cátedras é importante e a tradição é que estas sobrevivam aos seus titulares de modo a perpetuar o nome do mecenas.

Pelo que percebi, a Cátedra Rui Nabeiro tem como finalidade a investigação de qualidade, e a formação avançada. Apesar de ainda estar no inicio, pode-se considerar que estes objectivos têm sido alcançados?

Sim, a Cátedra Rui Nabeiro começou em 2009 com uma produção científica muito superior à média nacional e tem promovido acções de formação avançada, de alcance Ibérico, em áreas chaves para a investigação em biodiversidade. A equipa tem vindo a crescer, com quatro novos investigadores doutorados começando a sua actividade na Cátedra em 2010. Além da investigação e formação avannçada, a Cátedra Rui Nabeiro também aposta na promoção da divulgação científica sobre biodiversidade junto de públicos não especializados.

A Biodiversidade é o tema do momento. Com o advento do Ano Internacional da Biodiversidade assistimos a várias iniciativas promovidas nesse âmbito. A Cátedra Rui Nabeiro esteve de alguma forma envolvida nesses eventos?

Sim, o titular da Cátedra foi convidado pela UNESCO a participar numa das actividades que marcaram o lançamento do Ano Internacional da Biodiversidade em Paris e também esteve presente, como orador, na sessão comemorativa desta efeméride na Assembleia da República. Além destes eventos, a Cátedra organizou um seminário sobre biodivesidade, na Universidade de Évora, aberto ao público em geral e que contou com mais de uma centena de participantes, entre os quais dois representantes do Delta Cafés, o Presidente da edilidade Eborense e o Reitor da Universidade de Évora.

Todos nós ouvimos que se tem de preservar a Biodiversidade. No entanto, os cientistas afirmam que estamos perante um declínio acentuado do número de espécies no planeta. Isto não é um pouco estranho, que quando existe uma maior consciencialização, o número de espécies decresça?

O facto é que paralelamente a esta sensibilização para a biodiversidade houve um aumento da população humana e do consumo total e per capita de recursos naturais. Este último deve-se à globalização dos padrões de consumo Europeus e Norte Americanos. Actualmente apropriamo-nos de 24% da produtividade primária bruta produzida no planeta e ocupamos 35% da superfície terrestre. Ora estes valores não têm parado de aumentar pelo que é pouco surpreendente que com menos energia e área disponível a biodiversidade, tal e qual a conhecemos hoje, esteja em risco.

É possível na conjectura económica actual continuar a fazer um esforço financeiro substancial para a protecção da Biodiversidade? E em que medida esta crise financeira, pode afectar os recursos necessários para os programas em curso?

É normal esperar cortes de financiamento em momentos de crise e os cortes de financiamento em actividades de conservação da biodiversidade não fogem a esta regra. Mas também é verdade que com a redução do crescimento económico se reduz o consumo de alguns Países, logo a pressão exercida em certos ecossistemas. A questão de fundo, porém, é outra. Esta crise obriga-nos a repensar modelos económicos existentes, abrindo novas oportunidades.

Por exemplo?

Têm havido vários estudos que demonstram que muitas ameaças à biodiversidade advêm de actividades subsidiadas pelos Estados. É o caso, por exemplo, de alguns incentivos públicos à agricultura intensiva que são, nalguns casos, compensados por outros subsídios que visam a conservação da biodiversidade. A crise obriga-nos a repensar a política de subsídios e se existirem menos subsídios que afectem negativamente a biodiversidade, serão necessários menos subsídios para conservar a biodiversidade. A crise, ao limitar os recursos financeiros disponíveis, obriga-nos a racionalizar os subsídios e isto poderá tornar o custo da conservação mais barato.

É ponto assente na comunidade científica que as alterações climáticas estão a afectar a Biodiversidade a um nível global. Como investigador desta área, pode-nos dizer se esta afirmação é absolutamente verdade?

Sim, não restam dúvidas sobre o efeito que o clima exerce sobre a biodiversidade e sobre a importância que as alterações climáticas exerceram sobre as extinções do passado. Existem incertezas sobre a magnitude exacta dos impactes que as alterações climáticas terão sobre a biodiversidade mas sabe-se que serão impactes elevados. O que preocupa os estudiosos da matéria é que não se estão a contabilizar os impactes que resultam das interacções entre as ameaças que afectam a biodiversidade. Por exemplo, entre as alterações do clima e a destruição de habitats, o consumo insustentável de recursos biológicos, a poluição e a expansão de espécies invasoras. Teme-se que a interacção entre estes factores possa ser mais perigosa para a biodiversidade que cada um dos factores considerado de forma isolada.

E em relação a Portugal, acha que estes assuntos estão a ser levados a sério, ou não estamos a fazer nada que posso contrariar esses fenómenos?

Penso que o assunto está na ordem do dia mas que ainda não se traduziram as palavras em actos. Na verdade, poucos foram os países que o fizeram e poucos são os exemplos de implementação de medidas que facilitem a adaptação da biodiversidade às alterações do clima. Este exemplos provêm essencialmente de actividades de gestão protagonizados por organizações não governamentais de ambiente.